June 02, 2022

CADE indica critérios para licitude de consórcios entre concorrentes em licitações públicas

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O Tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), na sessão do último dia 11/05, condenou três empresas do setor de telecomunicações por uso do instituto do consórcio de maneira injustificada e anticompetitiva em uma licitação pública1Trata-se de decisão inédita na qual o Tribunal indicou critérios para avaliação da licitude de consórcios entre concorrentes em certames promovidos pela Administração Pública sob a legislação concorrencial.

A decisão do CADE

A investigação foi aberta a partir de denúncia de uma concorrente em um pregão promovido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para contratação de serviço de comunicação multimídia. De acordo com a denunciante, as três integrantes do consórcio vencedor teriam optado pelo consorciamento para reduzir a competição entre si e realizado recusa de contratar e discriminação de preços em relação aos demais concorrentes interessados em subcontratar sua infraestrutura para participação no certame.

A formação indiscriminada de consórcio entre concorrentes em licitações públicas, segundo o CADE, se assemelha a um cartel (os quais via de regra são tratados como ilícitos por objeto, ou seja, dispensam prova da existência de efeitos anticompetitivos, ainda que potenciais, para caracterização da infração). Porém, como a formação de consórcio é, por princípio, lícita, o Tribunal entendeu que a configuração de uma infração concorrencial passaria por um teste consistindo nas seguintes etapas consecutivas: (1) descrição e delimitação da prática, (2) avaliação de poder de mercado, (3) análise da potencialidade de danos à concorrência, (4) análise de justificativas objetivas e, por fim, (5) existência de eficiências que não seriam obtidas por alternativas menos restritivas.

No caso em questão, de acordo com o CADE, as empresas investigadas detinham poder nos mercados afetados pela conduta descrita acima, conforme depreendido das elevadas participações de mercado conjuntamente detidas pelas empresas, da sua capacidade de explorar economias de escala, do controle que exercem sob estruturas cuja duplicação é economicamente inviável (redes de telecomunicação) e de sua atuação concomitante em mercados de atacado e varejo.

O Tribunal então prosseguiu com uma análise de potencialidade de danos à concorrência e das justificativas objetivas, indicando que um consórcio entre concorrentes terá como objetivo frustrar a competitividade de um certame exceto se demonstradas a complementariedade de atuação entre as concorrentes, seja em termos de produto ou geografia, ou a capacidade insuficiente por uma única empresa para atendimento integral do contrato. Dadas as sobreposições entre as atividades das empresas participantes e a possibilidade de participação individual ou em grupos menores, o CADE entendeu que elas não foram capazes de atender a nenhum desses dois requisitos.

Por fim, o Tribunal entendeu não ser cabível a defesa do consórcio por meio de eficiências, pois havia meios menos restritivos à concorrência para atender ao objeto do certame investigado (como por exemplo, a subcontratação de infraestrutura onde necessário, a formação de consórcio com outras empresas menores ou até mesmo a formação de um consórcio que incluísse apenas duas das três empresas). O CADE considerou ainda que deságio em relação ao contrato anterior não configuraria eficiência, mas tão somente resultaria do processo competitivo da licitação e poderia ter sido maior caso as empresas tivessem atuado se não fosse pelo consórcio.

Em razão disso, o Tribunal por unanimidade condenou as empresas investigadas, e por maioria impôs multas totalizando mais de 783 milhões de reais.

Conclusões importantes

A formação de consórcios para participação em licitações públicas ainda goza de presunção de legalidade: não apenas ela é prevista na Lei de Contratos Administrativos, como também a própria Lei de Defesa da Concorrência dispensa a aprovação prévia desse tipo de arranjo pelo CADE.

Contudo, como demonstrado por esse precedente, as autoridades antitruste ainda possuem competência para investigar possível ocorrência de infração à ordem econômica diante de indícios do uso desse instituto por empresas para frustrar o caráter anticompetitivo de concorrências públicas. Portanto, é de extrema importância que empresas interessadas em contratar com a Administração Pública por meio de consórcios com seus concorrentes adotem uma série de cuidados a fim de se protegerem de potencial exposição na seara antitruste.

Nesse sentido, antes de considerar uma operação dessa natureza, é crucial a avaliação dos market shares das empresas envolvidas para verificação de poder de mercado, da existência de complementariedades entre elas (em termos de produtos ou de presença geográfica), ou mesmo de impossibilidade de atuação individual por parte da empresa, a fim de justificar eventual associação com um concorrente para oferta de produto ou serviço a um ente sujeito ao regime de contratação pública. Esse processo deve ser minuciosamente documentado. Dessa forma, caso o consórcio venha a ser objeto de escrutínio pelas autoridades antitruste, elas poderão atestar a inexistência de preocupações concorrenciais ainda em etapas preliminares – evitando, assim, os custos associados a uma investigação completa e o risco de condenação ao final do processo.

Para mais informações sobre o tema, entre em contato com nossos sócios de Antitruste e Concorrencial, Francisco Todorov (ftodorov@mayerbrown.com), Adriana Giannini (agiannini@mayerbrown.com) e Lorena Nisiyama (lnisiyama@mayerbrown.com) e nosso sócio da prática de Direito Público e Infraestrutura, Bruno Werneck (bwerneck@mayerbrown.com).


 

1 Processo Administrativo nº 08700.011845/2015-02. Representante: Sencinet do Brasil LTDA (nova denominação de BT Brasil LTDA.). Representadas: Claro S.A., Oi Móvel S.A., Telefônica Brasil S.A.. Conselheira-Relatora Paula Farani de Azevedo Silveira. Decisão em 11 de maio de 2022. Publicação no Diário Oficial da União em 18 de maio de 2022.

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