Sentença arbitral reconhece a legalidade de multa de conteúdo local aplicada pela ANP
MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE CONTEÚDO LOCAL: DISCUSSÃO EM ABERTO
Apesar do reconhecimento, em sede arbitral, da legalidade da regulação e da multa aplicada à empresa pelo descumprimento de cláusula de conteúdo local, a discussão sobre as questões de sua certificação e as alternativas disponíveis aos agentes de E&P para evitar eventual penalização não está encerrada. Isso porque muitos pontos relativos à Política de Conteúdo Local (“PCL”) não foram objeto da pretensão.
Neste primeiro processo arbitral relativo ao tema com participação da ANP, a decisão arbitral não poderia ter sido outra, considerando a impossibilidade de comprovação de conteúdo local por outros meios que não os especificados no edital, contrato e regulação por importar na alteração das condições oferecidas pela ANP e aceitas pela Requerente para a contratação. Isto é, o tribunal arbitral não poderia modificar o edital nem a regulação, sob pena de alterar a obrigação contratualmente estabelecida ao extrapolar os limites de sua jurisdição e violar o princípio da vinculação ao instrumento e da isonomia entre concorrentes
O pedido subsidiário realizado pela Requerente foi a redução da multa aplicada por sua desproporcionalidade, fundado nos arts. 412 e 413 do Código Civil. Neste ponto, manifestou-se o Tribunal arbitral pela rejeição do pedido, tendo em vista que (i) o valor da multa não supera o valor da obrigação principal, e que (ii) não foi demonstrada sequer parcialmente o cumprimento da obrigação de conteúdo local.
No entanto, outras questões poderiam ter sido exploradas pela Parte Requerente em sede administrativa e arbitral para atenuar os efeitos do descumprimento da cláusula de conteúdo local:
(i) Redução do cálculo da multa pelo descumprimento de Conteúdo Local
A partir da 14ª Rodada de Licitações, em virtude do reconhecimento de que a então obrigação de Conteúdo Local era inexequível, foi promovida uma alteração na PCL para reduzir os percentuais de conteúdo local e eliminar como componente da oferta. Assim, com vistas de garantir a exequibilidade do conteúdo local dos contratos de E&P no cenário da indústria petrolífera brasileira, editou-se a Resolução ANP n.º 726/2018 (“RANP 726/2018”) para, além de regular as hipóteses de exoneração de Conteúdo Local, facultar aos Concessionários a possibilidade de aditar a cláusula de Conteúdo Local dos Contratos de Concessão até a 13ª Rodada, reduzindo a eventual multa pelo o seu descumprimento.
Apesar do reconhecimento da inexequibilidade do conteúdo local objeto dos Contratos de Concessão assinados até a 13ª Rodada de Licitações, a ANP limitou a possibilidade de aditamento da cláusula apenas aos contratos com a fase de exploração não encerrada. Assim, em detrimento de agentes que puderam usufruir do benefício da redução, os concessionários com a mesma dificuldade para executar o conteúdo local contratado não puderam firmar o aditivo para atenuar a multa por descumprimento da cláusula de conteúdo local.
Portanto, é preciso destacar a possível contradição de uma regulação que, muito embora reconheça a inexequiblidade da PCL e reduza o percentual do conteúdo local ofertado e das respectivas multas, não é aplicável a todos os agentes da indústria. Portanto, haveria fundamento jurídico-justificador na regulação que afasta o benefício de aditamento do contratos com a fase de exploração encerrada, considerando a necessidade de observância princípio constitucional da isonomia, refletido na Lei de Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874/2019)?
(ii) Celebração de Termo de Ajustamento de Conduta – TAC
Consoante a Resolução ANP n.º 848/2021, possibilita-se a celebração de TAC relativo ao descumprimento da cláusula de Conteúdo Local de contratos de exploração e produção de petróleo extintos ou com fases encerradas. Nesse sentido, o descumprimento da obrigação de Conteúdo Local, ao qual ensejaria a aplicação de uma multa contratual compensatória, seria transformado em uma oportunidade para a efetiva consecução da PCL a partir da extinção processo administrativo sancionador pela celebração do TAC.
No entanto, como a celebração de TAC é afastada na hipótese de aplicação de multa por decisão definitiva no processo administrativo sancionador que apurou a infração de descumprimento de cláusula de conteúdo local, pergunta-se: a regulação não seria ilegal na medida que limita a atenuação do compromisso de conteúdo local e da multa pelo o seu descumprimento para os concessionários que passaram pelo mesmo problema de inexequibilidade de conteúdo local, tendo em vista o princípio da isonomia? O agente seria prejudicado tão somente pelo fato de esperar a decisão administrativa sobre o cumprimento da PCL?
Diante disso, em razão dos argumentos capazes de reduzir a multa pelo descumprimento de obrigação de conteúdo local não terem sido objeto da decisão arbitral, o simples reconhecimento da legalidade da regulação e da aplicação da multa não deve influenciar as futuras disputas que envolvem o tema.