TCU estabelece novas regras para soluções consensuais de controvérsias
- Juliana Deguirmendjian,
- Julio Barboza,
- Isadora Alcântara
Em sessão plenária de 5 de novembro de 2025, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou proposta de alteração da Instrução Normativa n.º 91/2022 (IN 91/2022), que disciplina os procedimentos de solução consensual de controvérsias e prevenção de conflitos no âmbito da Administração Pública federal.
A IN 91/2022 estabeleceu um fluxo formal para a tramitação das Solicitações de Solução Consensual, definindo a competência da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), a criação da Comissão de Solução Consensual (CSC) e a possibilidade de deliberação do Plenário sobre propostas de acordo construídas entre os atores envolvidos. Também disciplinou aspectos procedimentais das soluções consensuais, como a legitimidade para apresentação das solicitações, os critérios de admissibilidade e a forma de formalização dos termos da solução.
Destacamos abaixo as principais modificações introduzidas na Instrução Normativa 91/2022 pela Instrução Normativa n.º 101/2025.
1. Legitimidade para Solicitação de Solução Consensual
Antes restrito às autoridades previstas no Regimento Interno do TCU, como o Presidente da República, os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, aos dirigentes máximos das agências reguladoras e aos relatores de processos em tramitação no TCU, o rol de legitimados para passa a incluir também os dirigentes máximos das empresas estatais.
2. Conteúdo mínimo da Solicitação de Solução Consensual
A Instrução Normativa n.º 101/2025 incluiu elementos que devem compor o pedido de solução consensual apresentado ao TCU, reforçando a necessidade de fundamentação técnica e jurídica das propostas submetidas.
Entre as inovações, o normativo inclui, como requisito mínimo, a demonstração fundamentada da vantajosidade e da juridicidade da solução sugerida, sempre que a solicitação contiver proposta de acordo.
Além disso, quando a solução envolver indicações de investimentos em obras, o pedido deverá ser acompanhado de: (i) justificativa técnica para cada obra, incluindo o alinhamento ao planejamento setorial e critérios objetivos de custo-benefício; (ii) projetos de engenharia e orçamentos referenciados por custos oficiais ou por preços de mercado; (iii) estudo de cenários que demonstre a correlação entre investimentos, prazo contratual e impacto tarifário.
3. Participação social
A Instrução Normativa n.º 101/2025 introduz mecanismos formais de participação social tanto na etapa prévia à admissibilidade da solução quanto durante os trabalhos da Comissão de Solução Consensual.
A solicitação formulada ao TCU deverá conter relatório de participação social ou consulta direcionada a terceiros potencialmente afetados, quando a controvérsia envolver a prestação de serviços públicos ou a solução afetar direitos de terceiros.
Além disso, durante a condução dos trabalhos da Comissão de Solução Consensual, a SecexConsenso poderá reunir-se com especialistas ou representantes da sociedade civil relacionados ao objeto da controvérsia e realizar painéis de referência. A Comissão também deverá promover painel ou consulta pública sempre que a solução consensual envolver prestação de serviços públicos ou puder afetar direitos de terceiros, agentes econômicos ou usuários.
4. Transparência e publicidade
A nova redação estabelece que o requerimento inicial da solicitação de solução consensual terá caráter público. O resumo do pedido será disponibilizado em página específica no portal eletrônico do TCU, possibilitando o envio de informações por terceiros interessados em contribuir para a solução da controvérsia. As informações classificadas como sigilosas deverão ser apresentadas em documento separado.
5. Hipóteses de não admissão da solicitação
A Instrução Normativa n.º 91/2022 previa como única hipótese de não admissão da solicitação a existência de decisão de mérito do TCU sobre o mesmo objeto. A nova norma amplia esse rol, incluindo os casos em que o pedido trate de atos preparatórios sujeitos à competência discricionária privativa da Administração Pública na execução de políticas públicas, ou de atos internos que não envolvam controvérsias entre o Poder Público e particulares.
6. Revisão da ratificação pelo relator e atuação do Presidente do TCU
A redação anterior da Instrução Normativa nº 91/2022 determinava que, quando o objeto da controvérsia já estivesse sendo tratado em processo em tramitação no TCU, a solicitação de solução consensual seria encaminhada ao relator responsável, que poderia ratificar ou não sua admissibilidade. Na ausência de ratificação, o processo de solução consensual seria arquivado.
A Instrução Normativa n.º 101/2025 altera esse procedimento ao prever que, caso o relator não ratifique a admissibilidade da solicitação, o Presidente do TCU poderá reformar o despacho de admissão ou submetê-lo a referendo do Plenário, permitindo a continuidade da análise do pedido.
7. Aspectos procedimentais
A nova Instrução Normativa mantém o rito procedimental previsto anteriormente, mas define de forma mais precisa as etapas e prazos de tramitação. O processo continua a compreender as fases de manifestação das partes, exame pelas unidades técnicas, análise pelo Ministério Público junto ao TCU e deliberação do Plenário.
Antes da submissão ao Plenário, a proposta de solução consensual deverá ser encaminhada aos órgãos e entidades da Administração Pública federal e aos particulares envolvidos, para que apresentem, no prazo de quinze dias, pareceres técnico e jurídico.
Após o recebimento dessas manifestações, os prazos para exame passam a ser de cinco dias para a unidade de auditoria especializada na matéria e de dez dias para a SecexConsenso consolidar as manifestações e elaborar seu parecer final.
8. Critérios para análise pelas unidades do TCU
A Instrução Normativa n.º 101/2025 define os parâmetros que devem orientar a avaliação das propostas de solução consensual pelas unidades do TCU. O exame abrangerá, principalmente, três aspectos: (i) juridicidade da proposta; (ii) vantajosidade, especialmente em face da melhor alternativa no cenário de não acordo, com análise do risco de judicialização ou arbitragem, das probabilidades de êxito e dos custos e benefícios associados ao uso de instrumentos de contracautela disponíveis à Fazenda Pública; e (iii) adequação e suficiência dos mecanismos previstos para mitigar riscos moral e sistêmico, incluindo medidas voltadas à prevenção de comportamentos oportunistas.
9. Recursos
A nova Instrução Normativa prevê expressamente o não cabimento de recurso contra as decisões proferidas nos autos da Solicitação de Solução Consensual, em razão do caráter dialógico do procedimento. Como exceção, admite a interposição de embargos de declaração para sanar obscuridade, omissão ou contradição existente em sugestão de alteração da proposta estabelecida pelo Plenário do TCU.
10. Tomada de Contas Especial
A Instrução Normativa n.º 101/2025 autoriza o TCU a recomendar a adoção de solução consensual em processos de tomada de contas especial – procedimento administrativo instaurado para apurar responsabilidade por dano à administração pública, quantificar prejuízo e identificar os responsáveis — quando essa via se mostrar viável e atender a requisitos específicos.
A medida poderá ser aplicada em casos de inexecução parcial ou de execução sem funcionalidade do objeto, desde que seja possível a retomada do objeto para sua finalização ou consecução de sua plena funcionalidade e não haja comprovação de má-fé ou irregularidade grave. Também será admitida a negociação quanto à forma ou às condições de quitação de débito apurado nos autos, atendidos os requisitos e os limites estabelecidos em normativo a ser editado pelo TCU. O incentivo à solução consensual será formalizado por recomendação do Tribunal nos autos da própria tomada de contas especial.
11. Vigência e aplicação das alterações
A Instrução Normativa n.º 101/2025 entrou em vigor na data de sua publicação. Suas disposições aplicam-se de forma imediata aos processos em curso, preservando os atos processuais já praticados sob a norma anterior. Não será exigido o cumprimento de novos requisitos para fases já iniciadas ou concluídas quando a adoção do novo procedimento causar prejuízo ao andamento do processo ou impor ônus excessivo às partes.
As modificações introduzidas pela Instrução Normativa n.º 101/2025 resultam de processo colaborativo conduzido pelo TCU, que contou com workshops e consultas promovidos pela SecexConsenso junto a representantes de órgãos públicos, agentes econômicos e sociedade civil.
As alterações, segundo o TCU, refletem aprendizados das experiências anteriores de solução consensual já apreciadas pelo Plenário e buscam responder a desafios identificados, como a necessidade de maior transparência, mitigação dos riscos moral e sistêmico e de comportamentos oportunistas, bem como mecanismos de verificação dos custos de investimentos introduzidos pela solução consensual.


