A Nova Cara das Financeiras: O Que Muda Com a Resolução Cmn Nº 5.237/2025
Em um dos movimentos regulatórios mais relevantes dos últimos anos, o Conselho Monetário Nacional (CMN) inaugurou um novo marco para as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFIs), as conhecidas financeiras. A Resolução CMN 5.237/25, que foi publicada em 24 de julho e entra em vigor em 1º de setembro de 2025, é resultado da Consulta Pública nº 101/2024, lançada pelo Banco Central do Brasil (BACEN), em 25 de junho de 2024 (CP 101/24), com o objetivo de modernizar e consolidar regras que vinham sendo aplicadas de forma fragmentada e, em muitos casos, defasada.
Essa atualização era urgente. Até então, as SCFIs estavam reguladas por mais de dez normas diferentes, muitas delas publicadas nas décadas de 1960 a 1980, antes mesmo do surgimento das fintechs, dos serviços financeiros digitais e da ascensão das carteiras eletrônicas. Agora, com a nova resolução, o setor ganha um regulamento claro, unificado e adaptado ao cenário atual, um “reset” normativo que simplifica, amplia e reposiciona o papel das financeiras no sistema financeiro.
Evolução Regulatória: Das Origens ao Novo Marco
A trajetória regulatória das SCFIs começou em 1959, com a Portaria nº 309 do Ministério da Fazenda, ainda antes da criação do BACEN e da institucionalização do Sistema Financeiro Nacional. Naquela época, as instituições eram classificadas em três tipos: de crédito e financiamento, de investimento e mistas. Essas categorias hoje já não refletem a configuração moderna do mercado. Com o tempo, novos marcos legais foram sendo editados, mas sem revogar expressamente dispositivos antigos, criando um ambiente normativo desatualizado e fragmentado.
Foi nesse contexto que surgiu a CP 101/24, publicada pelo BACEN com um diagnóstico claro: o regime regulatório aplicável às SCFIs estava espalhado em mais de uma dezena de atos normativos, muitos deles desatualizados e sem conexão com os modelos de negócio contemporâneos, como as fintechs de crédito, os serviços financeiros digitais e os arranjos de pagamento integrados.
A proposta da CP 101/24 foi ambiciosa e bem recebida pelo mercado: consolidar 11 normas em um regulamento único, integrando dispositivos já consagrados na prática com inovações voltadas à realidade do setor. O texto final da Resolução CMN 5.237/25 acolheu contribuições relevantes da consulta, como a permissão para as SCFIs atuarem como credenciadoras de pagamento e investirem em outras sociedades, além de ampliar os instrumentos de captação e prever incentivos regionais à descentralização. Com isso, o novo marco regulatório não apenas limpa o estoque normativo, mas também reorganiza e reposiciona as financeiras como agentes centrais no ecossistema de crédito moderno.
O que muda na prática: Novas possibilidades para as SCFIs
A Resolução CMN 5.237/25 manteve a exigência de capital mínimo integralizado de R$ 7 milhões, mas introduziu um importante incentivo à descentralização: instituições com sede fora de São Paulo e Rio de Janeiro poderão se constituir com 30% de redução no capital mínimo, estimulando o surgimento de novas financeiras em centros regionais.
Além disso, a nova regra mantém o foco das SCFIs no crédito, mas expande consideravelmente sua área de atuação, aproximando seu escopo ao de bancos de médio porte, sem abrir mão da segurança jurídica ou da especialização no crédito não bancário. Além da tradicional concessão de empréstimos e financiamentos, as SCFIs agora podem:
- Atuar como fintechs: emitir moeda eletrônica, operar cartões de crédito próprios, atuar como iniciadoras de pagamento (Open Finance), e até exercer a atividade de credenciamento de lojistas (como adquirentes);
- Prestar serviços para terceiros: cobrança de crédito, análise de direitos creditórios, atuação como correspondente bancário, servicer, agente fiduciário e até distribuidora de seguros vinculados às operações;
- Comprar e vender ativos financeiros, inclusive em mercados organizados ou balcão, e aplicar recursos em depósitos interfinanceiros;
- Captar recursos de forma mais ampla: além de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), Letras Financeiras, Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Cédulas de Crédito Imobiliário (CCIs) e Depósitos a Prazo com Garantia Especial (DPGEs), agora as SCFIs podem realizar emissões internacionais, desde que alinhadas ao seu objeto social; e
- Investir em outras empresas: incluindo fintechs, empresas parceiras ou estruturas complementares, o que cria espaço para operações societárias estratégicas, como aquisições, integrações e reorganizações corporativas.
Essas mudanças aproximam o perfil das SCFIs ao de bancos de médio porte, com a importante exceção da captação de depósitos à vista, que segue exclusiva dos bancos comerciais.
Muito além da atualização normativa: o que muda no setor?
A Resolução CMN nº 5.237 é especialmente relevante para o ecossistema não bancário. Para as fintechs de crédito, representa a chance de evoluir do modelo de Sociedade de Crédito Direto (SCD) para o regime de SCFI, ganhando acesso a novas fontes de funding, maior liberdade operacional e maior atratividade para parcerias e fusões.
Para as instituições de pagamento, o novo marco permite consolidar serviços de pagamento e crédito sob uma única licença regulatória, viabilizando modelos de negócio híbridos com mais eficiência. Por exemplo, uma empresa poderá operar sua própria carteira digital, emitir cartão de crédito privado e atuar como credenciadora de lojistas, tudo isso sob o mesmo CNPJ e dentro do escopo autorizado da SCFI.
Já os grupos econômicos ganham margem para consolidar estruturas, realizar parcerias, aquisições ou spin-offs, agora com maior previsibilidade e espaço regulatório. A participação em outras sociedades (antes restrita) torna-se um vetor estratégico de crescimento. E para as financeiras já estabelecidas, a resolução permite diversificar portfólios e receitas, incorporando operações modernas, serviços digitais e atuação regional mais competitiva.
Do ponto de vista regulatório, o setor também ganha. A consolidação normativa facilita o compliance, reduz ambiguidades e dá mais segurança jurídica para inovar, sob um ambiente de supervisão mais simples e eficiente. Isso beneficia tanto a estruturação jurídica de novos entrantes quanto a reorganização estratégica de instituições já consolidadas, favorecendo a convergência entre segmentos tradicionalmente separados.
Uma transição estratégica: Preparando-se para o Novo Regime
A entrada em vigor da nova norma está marcada para 1º de setembro de 2025, data a partir da qual todas as suas disposições passam a ter plena eficácia. As instituições já autorizadas, ou que estejam com processos de autorização em curso, deverão implementar as adaptações necessárias, inclusive de natureza societária, conforme as diretrizes do BACEN. Entre os ajustes esperados estão a atualização das denominações sociais e a revisão do escopo operacional, de forma a refletir as novas possibilidades e exigências previstas no novo marco.
Os advogados do Tauil & Chequer Advogados associado ao Mayer Brown LLP, com ampla experiência em direito financeiro e regulatório, estão atentos às recentes mudanças introduzidas pela Resolução CMN nº 5.237/2025 e preparados para assessorar instituições financeiras, fintechs de crédito e demais players do mercado na estruturação, reorganização ou migração para o regime de SCFIs. Compreendemos a complexidade do novo marco normativo e estamos comprometidos em apoiar nossos clientes na adequada implementação das exigências legais, bem como na identificação estratégica de oportunidades decorrentes desse ambiente regulatório mais moderno, competitivo e propício à inovação.
*Este conteúdo contou com a colaboração do estagiário Rafael Hrosz